O que é felicidade?
Por alguns instantes, pare e pense sobre o que significa felicidade em sua vida. Você pensou em alguém, em algum momento especial, em algo de que gosta muito? Quando faço essa pergunta, geralmente a resposta vem acompanhada daquilo que não está em nós nem no nosso cotidiano.
Nos ensinaram que os momentos mais felizes da nossa vida são aqueles que não fazem parte da rotina. Crescemos ouvindo que seremos felizes no dia do nosso casamento, quando nosso filho nascer, quando estivermos de férias.
Todas essas ocasiões são muito intensas e emocionantes, sim. E nos trazem felicidade. Mas, se a gente pensar bem, será que não dá para ser feliz todo dia? Será que a gente sabe mesmo o que é felicidade?
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Significado original
Se depositamos nossa felicidade nas coisas, nos acontecimentos e nas pessoas, tiramos de nós a responsabilidade de construí-la com o que temos em nossas mãos. Em outras palavras, confundimos seu significado e terceirizamos a vontade de ser verdadeiramente feliz.
A nossa espécie, a espécie que sabe, que pensa, há séculos busca a resposta sobre o que é a felicidade. Há muitas definições para o termo, e nada melhor que começar uma aproximação com o assunto arriscando uma olhadinha no bom e velho dicionário.
Veja o que encontramos:
“1. Qualidade ou estado de feliz, estado de uma consciência plenamente satisfeita, satisfação, contentamento, bem-estar;
2. Boa fortuna, sorte;
3. Bom êxito, acerto, sucesso”.
Dá para confundir, não é? Se você se identificou com a primeira definição sobre o que é felicidade, pode saber que está no caminho certo.
Mas, não por acaso, esse tema ainda gera muito debate. Já se acreditou que a felicidade dependia dos desígnios dos deuses (ou melhor, muita gente segue acreditando…), e que uma vida de felicidade plena seria superior ao nível humano, equivalente ao divino.
Os gregos diziam que a felicidade estava relacionada à eudaimonia, isto é, a busca da realização das próprias potencialidades e ainda estar a serviço de algo superior à própria pessoa – era o objetivo de toda a filosofia clássica, começando com Sócrates e Platão, ideia adotada por Aristóteles e por todas as principais “escolas” do pensamento clássico, incluindo a dos epicuristas, estoicos e assim por diante.
Apesar de pequenas diferenças, no geral, na opinião desses pensadores, a felicidade poderia ser conquistada. Após as tradições grega e romana, temos ideias judaicas e cristãs sobre a felicidade.
E passamos muito tempo acreditando que só podíamos ser felizes em outro plano. Depois de muitas teorias, de muitos pensadores, de filósofos e poetas tentando decifrar o conceito de felicidade, o tema foi parar no campo da ciência.
Felicidade pela ótica da ciência
No início do século XXI, o pesquisador e psicólogo Martin Seligman deu início ao que conhecemos hoje por Psicologia Positiva. Em suas pesquisas, Seligman percebeu que o foco da psicologia estava apenas nas doenças, nas dores e no sofrimento psíquico. E pouca atenção foi dedicada à felicidade e ao bem-estar.
Desde 2000, o chamado de Seligman para um maior foco no bem-estar tem sido respondido por pesquisadores em todo o mundo, provocando milhares de estudos sobre fenômenos positivos e estabelecendo uma base para a ciência da felicidade.
Martin Seligman passou anos desenvolvendo uma teoria que ele chamou de modelo PERMA. O modelo compreende 5 elementos, que criam a base de uma vida florescente:
- Emoções positivas
- Engajamento
- Relacionamentos
- Significado
- Realizações
Vamos ver um pouco o significado de cada um desses conceitos.
1. Emoções positivas
A tendência de todo ser humano é pensar negativamente, devido ao nosso cérebro milenar que aprendeu a se defender dos predadores.
Para nos proteger, nosso cérebro emite um alerta para prestarmos atenção ao que pode dar errado e não ao que pode dar certo, interferindo em nossas atitudes em relação aos nossos objetivos.
A isso a ciência chama de viés negativo. Temos a tendência a dar mais ênfase aos acontecimentos negativos do nosso dia. Podemos vivenciar 20 coisas positivas em um dia, mas se algo ruim acontecer, é justamente onde iremos colocar nosso foco.
E este viés negativo restringe nossa capacidade de agir e encontrar soluções para os problemas mais diversos. Ficamos mais alertas ou nos esquivamos de situações que podem dar errado.
É por isso que é difícil, muitas vezes, tomar decisões importantes. Ficamos então, em nossa zona de conforto, um local não tão confortável, mas conhecido para nós.
As emoções consideradas negativas são importantes para a nossa sobrevivência e também nos trazem muito aprendizado.
Entretanto, o viés negativo nos leva a supervalorizar nossas emoções, e prestamos mais atenção a elas do que deveríamos. Dar mais atenção às emoções positivas pode melhorar nosso rendimento no trabalho e nos estudos, aumentar nossa imunidade, nos proporcionar uma visão com mais otimismo e esperança.
Ou seja, trabalhando melhor, nos tornamos mais criativos. Mudando a forma de olhar para o mundo, ficamos menos ansiosos. E pode acreditar: a gente começa isso como se fosse um exercício e, de repente, se torna natural.
Para ajudar nesse exercício, você pode listar todos os dias pelo menos três coisas boas que aconteceram ou o que você conseguiu realizar. Comece pelas coisas mais simples. Experimente e veja como você se sente após 30 dias.
2. Engajamento
Mihaly Csikszentmihalyi, um pesquisador e outro grande nome da Psicologia Positiva, criou a Teoria do Flow. A definição de Flow, ou Fluxo, aproxima-se do Engajamento, que representa um estado de concentração máxima, quando estamos completamente absorvidos pela experiência e não percebemos o tempo passar.
Você certamente já entrou em estado de flow. Ele pode ocorrer em qualquer atividade: nas artes, nos esportes, em brincadeiras infantis, em uma conversa com amigos ou no trabalho.
Nos sentimos felizes ao fazer algo que nos envolve totalmente e permite que tenhamos uma relação de prazer e entrega com uma atividade, mas não só. As atividades em que nosso fluxo é intenso também nos pedem concentração, trabalho, envolvimento. Suor!
O que vale dizer é o quanto o processo da realização nos inspira, mais até do que o resultado. E, no fim do dia, o resultado daquilo que fazemos é o quanto de envolvimento tivemos com algo.
3. Relacionamentos
Ao construirmos uma rede de relações fortes, melhoramos nosso bem-estar. Quando estamos sozinhos, costumamos perder a perspectiva sobre o mundo e não compartilhamos os problemas e pensamentos.
Mas quando deixamos outras pessoas se aproximarem, mudamos esse quadro e começamos a nos ver em um relacionamento saudável, onde há confiança e sentimentos mútuos.
A chave para todo o tipo de relacionamento é o equilíbrio, é escutar e compartilhar, fazendo esforços para continuarmos conectados e sempre trabalhando em prol da fortificação desses relacionamentos.
4. Significado
A verdadeira felicidade, de acordo com o psicólogo Rollo May, vem de criar e fazer a vida ter sentido, ao invés da busca do prazer e da riqueza. As pessoas que têm sentido na vida também relatam se sentir mais felizes, mais satisfeitas com suas vidas, menos deprimidas e ansiosas e mais satisfeitas com seus empregos.
Atingimos o nosso melhor quando nos dedicamos, servimos e pertencemos a algo maior do que nós mesmos, podendo ser na fé, no ambiente de trabalho, familiar, político, e até mesmo humanitário. Chamamos isso de propósito.
O propósito consiste nos objetivos centrais de motivação de sua vida, nas razões pelas quais você se levanta de manhã. É o propósito que pode guiar melhor nossas decisões, mudar nosso comportamento, direcionar nossas metas e produzir significado.
5. Realizações
A psicóloga Angela Duckworth desenvolveu um trabalho sobre determinação, a habilidade de se apegar a alguma coisa e perseverar por um longo período, mesmo quando o trabalho em si fica muito difícil.
Ter objetivos explícitos na vida, mesmo pequenos como a leitura por uma hora, todos os dias, e fazer esforços para alcançá-los, são importantes para o bem-estar e felicidade. A realização ajuda a construir a autoestima e proporciona uma sensação de plenitude.
Ela também reforça a autocrença. Os pais que estabelecem metas e tentam alcançá-las, como exercício diário, por exemplo, tendem a ter filhos que desenvolvem atitudes semelhantes.
As realizações podem acontecer também quando olhamos para trás e pensamos “Eu fiz isso, e fiz bem”. É o sentimento de realização e sucesso. E ao contemplarmos um passado de sucesso e vitórias, nos ajuda a construir um futuro esperançoso.
Não há nada de egoísta ou de errado em ter orgulho de suas conquistas. Quando você se sente bem com você mesmo, você fica mais disposto a compartilhar habilidades. Você se sente motivado a trabalhar mais e conseguir muito mais em outra oportunidade, inspirando quem está ao redor para alcançar seus objetivos.
A letra V entra na equação
Uma pesquisadora e aluna de Seligman, da Universidade da Pensilvânia, descobriu um novo elemento que já estava em estudo e que foi incluído na sigla PERMA. A Vitalidade. Na Psicologia Positiva, ela já havia sido estudada por outros pesquisadores, inclusive já fazia parte do acrônimo SPIRE, criado por Tal-Ben-Shahar.
– Dormir bem
– Comer melhor
– Movimentar-se
Sabemos que um sono de qualidade e uma alimentação saudável diminuem os riscos de doenças e aumentam a nossa vitalidade. O curioso está no movimentar-se.
Pesquisadores descobriram que o movimento é tão importante quanto o exercício físico. O movimento entra como um fator importante para a vitalidade ou para a nossa saúde, promovendo a nossa felicidade.
Caminhar meia hora por dia, subir as escadas ao invés de pegar o elevador, cuidar do jardim, descer do ônibus algumas quadras antes são hábitos simples que você pode adotar e que vão te trazer mais disposição no dia a dia.
Como você viu até agora, muitos estudiosos estão consolidando as teorias que fundamentam o que significa a felicidade. Uma dessas teorias, inclusive, ousou prever como nossa felicidade é constituída.
De acordo com a professora de Psicologia da Universidade da Califórnia, Sonja Lyubomirsky, nossa felicidade é prevista pela genética, pelas circunstâncias da vida e pela construção de hábitos diários. Vamos ver cada um deles.
Felicidade tem fórmula?
Segundo Sonja, a genética responde por no máximo 50% da nossa felicidade. Talvez isso explique a parcela de pessoas que veem o copo meio cheio enquanto outras veem o mesmo copo meio vazio.
Já 10% da nossa felicidade é composta pelos acontecimentos que vivenciamos: nossa profissão, se somos casados ou solteiros, se compramos uma bicicleta que nos fez feliz, se moramos de frente para o mar ou no alto de uma montanha.
É como vemos os fatos da nossa vida e o que eles representam. Agora entra o melhor ingrediente do bolo da felicidade. Imagina que 40% da nossa felicidade pode ser construída por meio de hábitos mais saudáveis. Ou seja: criar novas rotinas pode aumentar muito a felicidade.
Algumas atitudes simples têm o poder de provocar na mente atividades que aumentam os níveis de felicidade. É aqui que entra a Neurociência, que se dedica ao estudo do sistema nervoso.
A Neurociência passou a estudar a felicidade como um processo biológico para encontrar o que desencadeia esse sentimento sob o ponto de vista físico.
A química da felicidade
Quando dizem que felicidade está dentro da gente, pode acreditar, mais especificamente no nosso cérebro. Se algo ruim ou bom acontece com a gente, não é o fato em si que é bom ou ruim, e sim o pensamento e as sensações sobre o fato.
Neste sentido, há quatro substâncias químicas naturais em nossos corpos geralmente definidas como o “quarteto da felicidade”: endorfina, serotonina, dopamina e oxitocina.
A pesquisadora Loretta Breuning, autora do livro Habits of a happy brain, explica que “quando o seu cérebro emite uma dessas químicas, você se sente bem”.
Vamos analisar uma a uma.
Endorfina
A endorfina é considerada a morfina do corpo, uma espécie de analgésico natural. Possui uma potente ação analgésica e ao ser liberada estimula a sensação de bem-estar, conforto, melhor estado de humor e alegria.
O processo de produção e liberação da endorfina acontece durante e depois de uma atividade física. Há pessoas que não gostam tanto da prática de exercício, mas gostam da sensação de bem-estar de tê-los feito. Por isso, a atividade física é essencial para a felicidade.
Oxitocina
É conhecida como hormônio do amor, pois costuma ser liberada quando estamos perto de pessoas que amamos. A oxitocina ajuda a reduzir os níveis do hormônio do estresse e está intimamente ligada à sensação de prazer e de bem-estar físico e emocional.
Dopamina
É chamada de nossa “molécula da motivação.” Ela aumenta o nosso direcionamento, foco e concentração. Nos permite planejar com antecedência e resistir aos impulsos, para que possamos alcançar nossos objetivos.
Nos dá a sensação do “Eu fiz isso!” quando realizamos o que nos propusemos a fazer. A dopamina é responsável pelo nosso sistema de prazer e recompensa. Ela nos permite ter sentimentos de prazer, felicidade e até mesmo euforia.
Existem algumas maneiras saudáveis de aumentar os níveis de dopamina naturalmente: exercícios, meditação, ter metas de curto e longo prazo.
Serotonina
É um hormônio que tem um efeito direto ou indireto em um grande número de funções psicológicas e fisiológicas, como melhora do humor; combate à insônia e melhora da qualidade do sono; redução da ansiedade; melhora do bem-estar; combate ao estresse e à depressão; relaxamento.
E de novo o exercício físico aparece aqui como responsável pela produção desse hormônio, assim como a meditação.
Seja protagonista da sua felicidade
Como você pode perceber, a ciência da felicidade nos coloca numa posição de protagonistas da nossa história e da nossa felicidade. Isso nos traz uma enorme sensação de liberdade.
“Felicidade é uma habilidade que pode ser desenvolvida, é preciso empregar
esforço, tempo, foco e paciência.”
Richard Davidson
Quando começamos a estudar o que pode tornar a nossa vida mais feliz, entendemos que nada tem a ver com coisas ou momentos.
Enquanto você lê esse texto, milhares de pesquisadores estão empenhados em destrinchar quais comportamentos podem nos trazer mais bem-estar. A felicidade é possível para todos nós se a gente compreender que felicidade se aprende.
Autora: Flavia da Veiga, especialista em Felicidade
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